Construção identitária sobre o uso das línguas indígena e portuguesa
Palabras clave:
Linguística, Língua Indígena, Língua Portuguesa, RoraimaSinopsis
A pesquisadora Jacinta Rodrigues nos presenteia com uma obra vivenciada e analisada nas suas práticas como professora de dois cursos oferecidos num Campus do Instituto Federal de Ensino Técnico e Tecnológico, situado no interior do estado de Roraima, que acolhe indígenas e não indígenas numa experienciação única e estimulante que a faz questionar cotidianamente tanto as línguas utilizadas naquele espaço de construção do saber como as relações estabelecidas entre seus usos e a construção identitária dos alunos indígenas.
O ambiente, cenário deste trabalho aqui apresentado, é riquíssimo. Trata-se de um Campus, criado para atender a população do interior do estado – sublinha-se: atender a partir dela, com característica curricular e de carga horária dividida entre atividades na sede e nas comunidades, como retorno direto e prático às necessidades rotineiras. O ensino da língua portuguesa se faz presente como suporte veicular para a manutenção da apreensão e avaliação de conteúdos, disciplina em que Jacinta atua, como professora e orientadora de iniciação científica.
Outras línguas e culturas também estão presentes ali e não se trata apenas de conviverem harmoniosamente ou não, elas se interpenetram, tal qual apreciado pelos movimentos trans, presentes nos conceitos bastante atuais de transculturalidade e translinguagem. Sob essa perspectiva, as línguas e culturas se modificam mutuamente, criando novas estruturas e recriando velhas estruturas. Trata-se de um refazer constante e, claro, que a própria Jacinta não sairia a mesma dessa aventura.
Agora, essa professora/pesquisadora está pronta para seguir em frente. Agora ela entende melhor (mas não definitivamente) o contexto em que atua, seus alunos, as relações entre os atores envolvidos e até a si própria como profissional, migrante transnacional, mãe, linguista aplicada. É um pouco dessa densidade leve, posto que prazerosa, que a Jacinta está prestes a dividir com você leitor.
O livro em si nos convoca a tomar posições, pois, se é dito de um lugar específico, ao mesmo tempo representa tantas possibilidades de lugares e, assim, por meio delas, você, inicialmente um leitor, será um coautor voltando-se às suas próprias experiências, dúvidas, sugestões de encaminhamento. Dessa forma, esta obra alcança mais uma importante dimensão na Linguística Aplicada: a de se voltar às comunidades minoritarizadas linguisticamente, economicamente e tantos outros “entes”.
Nossas últimas décadas foram marcadas por grande número de trabalhos que consideram a heterogeneidade e a alteridade dos seus colaboradores de pesquisa, atores atuantes e transformadores, até pouco tempo só chamados de “sujeitos de pesquisa”, em contraponto a quem do outro lado era considerado o “senhor da pesquisa”, sujeito repleto de cabedal de conhecimento, que de seu posto onipotente e neutro (!) dizia como era e como deveria ser. Hoje, somos nós – que devemos defender teses e publicar artigos e livros completos – que também nos assumimos como parte dessa heterogeneidade, desse refazer constante e, portanto, alvos de nós mesmos em tantos autoquestionamentos.
Nesse movimento, a linguagem não mais é vista apenas no seu aspecto meramente instrumental, mas em seu processo sociocultural. Essa visão nos leva a uma educação crítica, transformadora, que nos convoca, mais à própria prática do que aos alicerces teóricos que a justificam, a sermos transformadores sociais. A transformação social do mundo, difícil mundo em que nesse momento vivemos, é convocada a ser assumida a partir de leituras como esta a que estou agora te convidando a fazer.