Estudo sobre a faixa de fronteira do Brasil

Autores

Eloisa Maieski Antunes

Palavras-chave:

Brasil, Faixa de Fronteira, Fronteira, Política Fronteiriça

Sinopse

O gradiente escalar é uma característica peculiar de estudos fronteiriços. As fronteiras em qualquer lugar do mundo não devem ser estudadas de forma separada dentro do espaço geográfico porque estão imersos em um ambiente multiescalar, seja local, regional, estadual, nacional ou internacional. As fronteiras também estão emergidas em um ambiente de fluxos multidirecionais, que está relacionado com as questões de cunho social, político e econômico e influenciam diretamente a dinâmica fronteiriça através da geração de fluxos de bloqueios e de movimentos.

No Brasil não é diferente. A grande linha de extensão da fronteira brasileira é uma das maiores do mundo com 16,886 km e faz divisa com dez países vizinhos, portanto, é uma área bem peculiar e diversa em relação à economia, à geografia, à cultura e aos aspectos sociais, apesar de pertencerem ao mesmo território. Os fatores que colaboram com a diversidade vão desde os gradientes populacionais dos municípios, a fatores econômicos específicos, contextos históricos e políticos que influenciam de forma particular cada trecho da fronteira.

Com apenas com esses dois parágrafos, acredito que o leitor começa a perceber a complexidade dos estudos fronteiriços e, essa obra empresta o olhar da geografia econômica e urbana para análise das transformações geopolíticas relacionada a fronteira, incluindo análise populacional, econômica e territorial). A hipótese levantada neste estudo é que a formação de blocos econômicos trouxe uma nova configuração territorial porque a relação entre espaço e poder mudou, surgindo uma nova arrumação geopolítica. As estruturas argumentativas para expor as hipóteses elencadas estão permeada por todo o texto.

A faixa de fronteira (indicada também, aqui, como FF) era vista como uma área ora de segurança ora de defesa, entre 1934 e 1988 pelos militares. Entende-se área de segurança como a preservação da soberania, desenvolvimento da estabilidade política e integridade territorial e defesa como uma área de proteção do território contra as ameaças externas. As ações militares nesse período eram estimuladas devido ao contexto da Segunda Guerra Mundial e as várias ditaduras militares que se instalaram nos países vizinhos que influenciou a política de fronteiras no Brasil.

As restrições legais na faixa de fronteira estavam ligadas aos aspectos da concessão de terras, meios de comunicação e indústrias. Também foram criados os Territórios Federais, focado no ordenamento territorial na fronteira, para que o governo central tivesse controle direto das zonas de fronteira consideradas mais vulneráveis, nas regiões norte, centro-oeste e sul.

A partir da formação de blocos econômicos a faixa de fronteira passou a ter também novos papéis, voltados para a integração dos países da América do Sul, principalmente, por ser o Brasil uma área estratégica e de vizinhança com a maioria dos países, com exceção do Equador e da Bolívia. A concepção de fronteira mudou quando o contexto político e diplomático assumiu a existência de uma identidade latino-americana, com o Brasil na posição de líder regional. Desta forma, a faixa de fronteira que era fechada e cheia de restrições legais por ser uma área de defesa/segurança nacional, passa a ser vista como um ponto de contato estratégico entre o Brasil e os países vizinhos.

O paradigma militar mudou com o advento do regionalismo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com as elites civis pressionando pela mudança de perspectiva militar nesta área. Conforme Furtado (2013), a faixa de fronteira passou de uma área de segurança nacional para de defesa nacional e desenvolvimento.

Atualmente a legislação em vigor sobre a faixa de fronteira é a Lei nº 6.634, de 02 de maio de 1979, e o Decreto nº 85, de 26 de agosto de 1980, importantes para a regulamentação de atividades que podem ser desenvolvidas na faixa de fronteira. Sob o paradigma de defesa e desenvolvimento, a faixa de fronteira é atualmente vista como um espaço de integração, um ponto de contato com os outros países latino-americanos, como um canal de comunicação entre as diferentes culturas, línguas e costumes.

A faixa de fronteira ganhou, assim, um novo papel. Embora ainda existam medidas de defesa, ela passou a ser tratada também como uma região que precisa ser desenvolvida economicamente, principalmente para o comércio exterior. Essa obra faz três análises: territorial, populacional e das relações internacionais para provar a mudança de paradigma da faixa de fronteira de uma área predominantemente de defesa/segurança para uma área de desenvolvimento e defesa nacional.

Para a análise da transformação territorial esse trabalho usou dados desde 1872, para compreender transformações do território fronteiriço desde a constituição da faixa de fronteira, que foi citada pela primeira vez na legislação em 1850, até os dias atuais com o intuito de analisar as principais características presentes no recorte temporal e as ferramentas de ordenamento territorial com a largura da faixa de fronteira e a criação dos territórios federais.

O leitor irá se deparar com o processo de divisão territorial na faixa de fronteira foi rápido e intenso, principalmente a partir de 1960. Entre 1940 e 2010 aumentou mais de seis vezes o número de municípios. As vilas militares instaladas para defender a fronteira, o conjunto de fatores econômicos e políticos com a promoção da “marcha para o oeste”, o interesse de ocupação das fronteiras através da vivificação (presença do homem), os incentivos governamentais, a própria expansão da fronteira agrícola, o conjunto de melhoramentos da infraestrutura (rodovias e ferrovias) que ligou aos grandes centros urbanos foram os fatores que levaram à multiplicação das cidades na faixa de fronteira.

Na análise populacional, veremos que o modelo usado pelos militares no século passado era que uma fronteira defendida era uma fronteira ocupada, porém com restrições de concessão de terras, das indústrias e meios de comunicação.  

Para análise das relações internacionais, principalmente do comércio exterior, os capítulos que trabalham esse momento partem do contexto político nacional e internacional que tem influência direta no local (fronteira). A análise permeia faixa de fronteira sob o viés do liberalismo econômico, isso aconteceu porque ela ganhou papel de destaque no contexto da integração econômica, por emitir fluxos próprios de mercadorias, não sendo apenas local de passagem, e porque está integrada com outras regiões no mundo, não apenas restrita a países vizinhos.

O fim da Guerra Fria teve variados significados para a América Latina, e sem dúvida, o mais importante foi a reorientação da política externa. A nova ordem mundial unipolar e o processo de redemocratização dos países são fatores fundamentais para as novas questões de ordem econômica.

No início da década de 1990, no auge das teorias liberais, acreditava-se que interesses econômicos iriam predominar nas relações internacionais, devido ao fim da polarização política e militar. A ocupação efetiva dos espaços nacionais requeria transformar as clássicas fronteiras-separação em modernas fronteiras-cooperação, para viabilizar economicamente o desenvolvimento de regiões fronteiriças que, durante muito tempo, foram rincões isolados. Um quarto elemento, que se torna mais visível nos momentos de turbulência financeira, são as negociações do gênero em outra escala (COSTA, 1999).

O grau de integração entre diferentes regiões é indicado pela estrutura de fluxos inter-regionais de bens e serviços. A relação entre o comércio exterior e os municípios fronteiriços demonstra que as interações espaciais da fronteira podem ser compreendidas em diversas escalas, pois inseridas em ampla e complexa rede comercial que mantém uma ligação com o território. 

No caso do Brasil há uma rede sim de comércio na fronteira e uma intensificação dos fluxos, porém está muito aquém para se integrar em uma economia aberta. O Brasil sem poucas empresas que se aventuram em exportar seus produtos e que não correspondem nem a 1% das empresas brasileiras. Ainda a economia e muito fechada e voltada para o mercado interno. Na fronteira apesar da sua vantagem geografia por estar próxima ao limite internacional ocorre o mesmo fenômeno. A economia local ainda é fechada para o exterior.

Os fluxos de comércio exterior originário nos municípios fronteiriços indicam que em um contexto de integração econômica a faixa de fronteira também é capaz de emitir fluxos de mercadorias próprios, não sendo apenas um local de passagem, embora os fluxos comerciais para a América do Sul vêm perdendo importância relativa porque os fluxos são direcionados para outros continentes entre eles: europeu, asiático, americano, africano. 

Observa-se que os fluxos gerados na FF são multidirecionais. A análise do histórico do comércio exterior indica que não houve variações em relação à quantidade de países e que os fluxos não são direcionados exclusivamente para a América do Sul. Assim, é possível dizer que os fluxos comerciais são multidirecionais em todos os anos analisados e estão integrados com outras regiões do mundo.

As interações espaciais na faixa de fronteira indicam que ela é capaz de produzir fluxos próprios com amplitudes e frequências diferentes porque variam conforme as ações dos agentes fronteiriços. Assim, a faixa não é apenas um corredor de passagem. Na faixa de fronteira observa-se que a dinâmica dos fluxos obedece a uma dinâmica nacional, porém com rede própria e com link conforme será discutida e apresentada durante a argumentação desse trabalho.

A proximidade geográfica é importante uma leitura possível para fazer a análise dos dados. Os fluxos de comércio internacional para a América do Sul foram intensificados durante os últimos anos, porém a importância relativa deles diminuiu. E as redes de comerciais passaram a serem mais fortes com outras regiões geográficas.

Por fim, procuramos organizar este livro de forma que você possa compreender como a fronteira estabelece relações com diversos setores da economia e lugares do mundo, não se limitando, portanto, apenas à localidade na qual está geograficamente inserida.

Levando-se em consideração os temas e argumentos a serem tratados, esperamos que este livro não necessariamente dê respostas prontas sobre a dinâmica fronteiriça, mas que possa sim incitar em você, caro leitor ou leitora, a realização de análises e reflexões que possam produzir novos questionamentos e ideias que auxiliem na compreensão da produção do espaço a partir da perspectiva das fronteiras. Enfim, este livro destina-se a todos os que deseja, saber mais sobre a fronteira do Brasil e as mudanças ocorridas nessa região nos dois últimos séculos.

Publicado

agosto 10, 2019

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